
Já havia caido a noite, e as luzes daquele lugar estranho me reforçavam a sensação de que eu não sabia por que estava ali...
O motorista cantava com a voz embriagada uma versão de "my Way" com tamanho desafino e sofreguidão que entristecia os poucos passageiros, mas claro, por motivos bem diferentes...
Tudo estava estranhamente tranquilo, mas quando passamos em frente ao cemitério, como num despertar súbito e silencioso, eu percebi que estava me arriscando demais colocando minha vida nas mãos de um condutor deprimido e altamente embriagado.
Na verdade eu comecei a pensar nisso quando ele apontou para o o nada, e involuntariamente invadiu a pista contrária enquanto gritava " I Diiiiid it Maaaaaaaaai Waaaaaaay!!!" , mas o cemitério ajudou a reforçar a teoria...
Logo a minha angústia me tomou pelo braço e me convenceu de que, se todos nós morressemos não faria diferença nenhuma ao mundo, visto que estávamos todos igualmente deprimidos,e cada um na sua insossa existência não produzia nada realmente digno de reconhecimento...
Havia um clima cinza e chuvoso....embora não houvesse um só pingo de chuva em lugar algum....
Vi a mulher que sentava na minha frente abrir a bolsa e pegar um livro.
A capa era branca, e continha apenas o título, que tive de ler três vezes até assimilar : "André Luiz Ávila"
Sentei-me ao lado dessa moça, cujo olhar frio e inquisidor deixou bem claro que eu nao era bem-vindo...
Também, pudera, com o ônibus quase vazio, por que alguém se sentaria ao seu lado?
Eu me incomodei com o incômodo dela, mas não podia arredar pé dali, eu tinha que saber o que havia no livro...
Foi então que ela abriu o livro no meio, para mim de forma aleatória, mas ela tinha uma firmeza, como se aquela fosse a única possibilidade que o livro pudesse lhe oferecer.
Já abandonada qualquer discrição ou bom-senso, joguei os olhos por cima do livro ignorando por completo a leitora...eu procurava algum sentido entre aquelas palavras embaralhadas...e encontrei.
Quando consegui ler uma única frase inteira eu percebi que já sabia de tudo o que ali estava escrito.
Conhecia todas as palavras, expressões, poderia dizer quais seriam as próximas idéias, próximas páginas, tudo.
Tomado de certo espanto tomei o livro das mãos da desconhecida e meio que por surto, comecei a folheá-lo todo, do começo ao fim, de trás para frente, e diversas vezes abrindo de forma aleatória.
E como eu esperava, eu sabia tudo o que estaria escrito antes mesmo de começar a ler.
Indaguei :
"Quem é que te deu o direito de andar por aí lendo os meus pensamentos???"
Ignorando por completo o meu chilique, ela pegou friamente o livro da minha mão, abriu-o novamente daquela forma sinistra, aleatória e firme, e fixou o olhar no que estava escrito.
Quando a minha indignação se materializou, tomou forma e cuturou a sua concentração, ela me olhou no fundo da alma, e disse sem abrir a boca :
" Voce pensa e filosofa demais...mas nada disso será importante enquanto forem só pensamentos...Uma ótima teoria, se não aplicada, é um conceito inútil e vazio."
Eu entendi o que ela quis dizer...e aquilo me tocou com profunda crueldade, mas eu sabia que a verdade nem sempre é agradável...
Quando ela voltou ao livro, pude perceber a sua decepção quando as palavras foram sumindo, num inesperado fade-out...até todas as páginas ficarem completamente em branco.
Eu naquele momento, definitivamente não sabia o que pensar...
Ela se levantou, passou por mim sem expressar coisa alguma, e desceu deixando ali o livro.
Só restava eu, o cobrador e o sinatra quando chegamos ao destino.
Aliás, termo engraçado esse..."destino". Como eu posso chamar um lugar desses de destino?
Para facilitar, vamos chamar aqui de "ponto final".
Porque qualquer um pode ter ou chegar no fim...mas destino...bem,é uma coisa bem diferente.
Por ser tão incerto e longíquo (pois estamos sempre presos ao presente), não me cabe dizer coisa alguma sobre o destino.
O fato é que ao descer do ônibus, o único lugar onde eu queria estar era aquele de onde eu acabei de vir...
Por isso deixo o conto assim, sem fim...nem principio nem meio...desconcertado como eu estava quando cheguei aqui...
http://www.youtube.com/watch?v=6E2hYDIFDIU
...palmas!Estou deslumbrado com o seu conto.Como seriam essas teorias sem prova?Tanto tempo por perto e não faço ideia de quais são suas ideologias.
ResponderExcluirSaudade deste blog...
ResponderExcluirOi :)
ExcluirAndré aqui
Fui gradativamente diminuindo a frequência em que eu escrevia, e me expressando artísticamente de outras formas.
Hoje me bateu uma saudade do blog, e só por isso acabei vendo o seu comentário.
Não pretendo voltar a escrever (por enquanto)...tudo mudou, eu mudei, até a hospedagem mudou, e eu acabei perdendo o acesso haha Enfim, foi massa enquanto durou.
Mas fiz questão de vir aqui (mesmo que com um atraso hahaha), agradecer por ter acompanhado, em algum momento. (Vale para mais quem ler isso. Obrigado pra geral o/)
Att, André